(Im)permanências da vida: a pandemia como convite à reflexão sobre mudanças

“No presente a mente, o corpo é diferente

E o passado é uma roupa que não nos serve mais

(Belchior)

Envelhecer é uma trajetória comum a todo ser humano, acontece desde o nascimento. Porém, a forma como cada um faz esse percurso é bem variada. De pessoa para pessoa, as condições como cada um chega à velhice dependem dos cuidados e dos recursos oferecidos pelo ambiente, das mais variadas situações com as quais ela se deparou e de como ela lidou com os desafios no decorrer da vida. Existe uma diversidade do envelhecimento.

Em linhas gerais, o ritmo no qual corpo e mente vão mudando ao longo do processo de envelhecimento pode variar bastante. Porém, é inevitável que nossa imagem refletida no espelho se modifique. As ideias, as formas de lidar com uma situação ou outra também vão se transformando. Algumas mudanças são vistas como ganho, outras como perdas, e o que as duas percepções têm em comum é a capacidade de provocar estranhamentos.

Cecília Meireles ilustra bem em seus versos o que encabula muita gente quando se trata de estranhar a diferença de si mesmo em relação a um eu anterior:

Eu não dei por esta mudança,

tão simples, tão certa, tão fácil:

– Em que espelho ficou perdida

a minha face?

É um grande desafio experimentar essa impermanência provocada pelo passar do tempo que impõe de modo incontornável a necessidade de rever e reinventar a própria trajetória. Muitas vezes a forma de se sentir menos vulnerável é se agarrar com unhas e dentes ao que nos é familiar, ao que parece estável e há muito tempo conhecido. Tantas vezes a falta de abertura para o novo é apenas uma defesa contra mais uma chegada de algo desconhecido e, quem sabe, julgamos perigoso de alguma forma. Afinal, tem coisa mais trabalhosa do que precisar se adaptar?

A pandemia está aí para todos, ilustrando como é difícil se deparar com algo desconhecido que exige rever toda a rotina e tudo que envolve a fragilidade e a preciosidade da vida. Desde que ela começou, temos o passado como uma referência. Graças a ele vamos tendo pistas de onde buscar conforto emocional e do que talvez possa ser útil para nós na reinvenção do dia a dia. Mas, ao mesmo tempo, é uma situação tão nova que somente as referências antigas sozinhas não dão conta dos desafios atuais, que envolvem se proteger e encontrar alguma satisfação diante de tantas tensões.

A boa notícia é que mesmo a pandemia, uma situação tão problemática, tem o potencial de provocar reflexões e tomadas de decisões que proporcionem melhorias na forma de lidar consigo mesmo e com o outro. No mínimo ela nos mostra que a vida é uma constante e inacabada transformação, e que viver exige cuidados e adaptações. Esse é o lado bom de qualquer mudança: o convite a (re)pensar sobre o cuidado e sobre a vida.

Assim, se por um lado, também na velhice, podem surgir muitas mudanças indesejadas, por outro, esse pode ser mais um ponto de virada para fazer mudanças desejadas. Você já se perguntou sobre o sentido de algum hábito que demanda muito esforço e traz pouca satisfação? Já se propôs experimentar uma nova maneira de fazer alguma tarefa do cotidiano ou de se relacionar com alguém? Já experimentou fazer um balanço de vida e, diante da constatação da finitude, colocou à frente uma vontade até então insatisfeita?

Aqui vão algumas sugestões para inspirar usar o re-conhecimento de si mesmo na velhice a seu favor:

  • Grace e Frankie: Seriado disponível na Netflix. Grace e Frankie são duas mulheres vivendo a terceira idade. Quando os seus respectivos maridos revelam estar apaixonados um pelo outro, elas precisam lidar com diversas mudanças na vida. São novas as circunstâncias e vão surgindo também novidades relacionadas ao corpo que envelhece e ao modo de ver e sentir o envelhecer.
  • Anne with an E / Anne com E: Seriado disponível na Netflix. Matthew e Marilla são dois irmãos idosos que adotam uma adolescente. Marilla se estranha em alguns momentos e às vezes mantém-se fechada e rígida, protegendo-se do desconhecido imposto por tantas mudanças. Mas junto a seu irmão e Anne, ela experimenta diversas vivências novas e se permite uma comovente relação que, inesperadamente, traz mais vida a seus dias.
  • Método Kominsky:  Seriado disponível na Netflix. O professor de teatro Sandy Kominsky e seu melhor amigo Norman Newlander enfrentam as alegrias e tristezas da velhice. Com humor deparam-se com situações inesperadas de perdas, mudanças no próprio corpo e mudanças de ideias construídas a um bom tempo.

Referências

  • Poema: Meireles, C. Cecília. (2001). Antologia Poética. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira. (Originalmente publicado em 1939) 
  • Música: Belchior. (1976). Velha roupa colorida.

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