“(…) um núcleo de pessoas que convivem em determinado lugar, durante um lapso de tempo mais ou menos longo e que se acham unidas (ou não) por laços consanguíneos. Ele tem como tarefa primordial o cuidado e a proteção de seus membros, e se encontra dialeticamente articulado com a estrutura social na qual está inserido”

 (MIOTO, 1996)

O Brasil vive o envelhecimento de sua população de forma acelerada. A população de octogenários é a que mais cresce. Se envelhecer era um privilegio na década de 60 e nas anteriores, atualmente o desafio é envelhecer com autonomia e independência. 

Segundo Rogério Ceccon (2020), a população longeva aumenta e o risco da dependência em atividades básicas também. No entanto, faltam pessoas preparadas para cuidar. As famílias estão cada vez menores, em função da redução do número de filhos por mulheres, dos novos arranjos familiares, além da inserção da mulher no mercado de trabalho. Contudo, não há, em número suficiente, quem possa cuidar dos idosos. E fica a questão: quem vai cuidar do indivíduo idoso? Como estabelecer o cuidado centrado na pessoa idosa?

As legislações brasileiras estabelecem que o cuidado à pessoa idosa é responsabilidade da família, da sociedade e do Estado, além de estabelecer a priorização do atendimento pela família em detrimento da institucionalização.  Porém quem cuida da família? 

Então vamos falar da família: não existe a família ideal. Existe a família possível. As relações estabelecidas durante a vida podem estar cercadas de amor, carinho, companheirismo, ou estarem marcadas por abandono, conflitos e mágoas. Cada pessoa tem sua história familiar. Reconhecer e compreender cada história familiar possibilita fortalecer ou restabelecer vínculos.

Assim, na avaliação multidimensional do indivíduo idoso, deve constar a avaliação do suporte familiar e social. As relações sociofamiliares têm relação direta com a saúde da pessoa idosa. Mas, antes de qualquer abordagem familiar, o profissional deve se questionar: Como penso a família? Quais são os valores, crenças, histórias dessa família? Abordar a família pressupõe entender como se deram e se dão os relacionamentos entre os membros e os laços afetivos construídos. 

O Brasil é marcado por enormes desigualdades sociais. A família é o reflexo deste ambiente social e cultural. Entender qual é o contexto socioemocional da família é imprescindível. Esta família pode estar em extrema vulnerabilidade, ter dificuldades para falar de si mesmas e para prestar cuidado prolongado. 

Pensar e entender a família como parte inquestionável do cuidado à pessoa idosa é fundamental, mas as famílias também precisam ser cuidadas.  Muitas das violências intrafamiliares podem ser ocasionadas pelo desamparo socioeconômico, ausência de políticas públicas de cuidado de longa duração, culpa, estresse e sobrecarga do cuidador.  

Para o amparo das famílias o trabalho precisa ser intersetorial com foco na promoção da saúde. O cuidado centrado no indivíduo idoso também precisa ser o cuidado focado na família dele. É promover funcionamento familiar. Pensar família é estar sensibilizado para ela, além de construir espaços de discussão que viabilizem oportunidades de cura.

“Curar significa ser capaz de ver o potencial para a conexão, plantar sementes de fortalecimento quando se toma uma história de desespero e a transforma em uma de esperança, quando se toma uma história de traição e a transforma em uma de cuidado. Curar significa transformar experiências negativas em positivas, fracasso em oportunidade. Curar significa acreditar em famílias, em sua bondade e em seus reais esforços para fazer o melhor que podem. Significa acreditar na sabedoria da família, dando-lhe permissão para encontrar seu próprio caminho, no seu próprio tempo, tendo como foco suas forças”.

(DAVIES, 1995 apud ÂNGELO, 1999, p.13).

Avaliar a funcionalidade familiar é necessário, uma vez que prejuízos na funcionalidade podem interferir com efeitos negativos na independência, autonomia e qualidade de vida da pessoa idosa. Um instrumento para tal avaliação é o APGAR de Família5 preconizado pelo Ministério da Saúde para avaliação da funcionalidade de familiares de idosos a partir da visão do idoso. 

A partir do resultado do APGAR de Família o profissional estabelecerá estratégias de intervenção familiar seja para manutenção, integridade, funcionalidade ou resgate de vínculos. Esta prática implica constante trabalho de compreensão e negociação com o idoso e a família. Para tanto, a equipe deve estar sintonizada, compartilhando informações e trabalhando cooperativamente.

Reconhecer os tipos de família de cada idoso auxilia na abordagem e assistência familiar. Segundo, Garcia Pintos (1997) existe as famílias abandonadoras, famílias distantes, famílias superprotetoras e famílias tipo clã ou tribal. Um idoso poderá ter na sua rede sociofamiliar vários tipos de famílias,  que demandará da equipe intervenções diferenciadas com cada perfil familiar identificado. 

Familiares de idosos com demência muitas das vezes sofrem caladas e podem não entender o processo da doença. Acolha estas famílias, promova espaços para que elas falem de sua dor e para que também possam ser cuidadas.

A avaliação familiar muitas vezes demandará assistência familiar para dar suporte; contribuir para a manutenção e a integridade familiar; desvelar fatores que geram a disfunção; bem como fortalecer ou resgatar vínculos. Esta prática implica constante trabalho de compreensão e negociação. Para tanto, a equipe deve estar sintonizada, compartilhando informações e trabalhando cooperativamente.

Para além disso, é necessário a criação de espaços de interlocução entre a família, os gestores governamentais e os conselhos para discutir a urgente necessidade de uma política de cuidados de longa duração. 

Lembre-se: as famílias precisam de ajuda. E, este momento pandêmico da COVID tem desafiado ainda mais as famílias no cuidado centrado a pessoa idosa e no cuidado consigo. Muitas delas podem estar em luto ou com medo. Criar alternativas para acolher, apoiar e cuidar destas famílias faz parte do cuidado centrado na pessoa idosa.

Outras Partidas:

  • Participe de um conselho: 

Conselho Municipal do Idoso ou Conselho Municipal de Assistência Social.

  • Sugestão de leitura:

ALCÂNTARA, Adriana de Oliveira. Velhos Institucionalizados e família, entre abafos e desabafos. Alínea Editora, 2009, 2 edição, 149p. BEAUVOIR, Simone. A Velhice. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990, 3a edição, 711p.

Referências:

  1. MIOTO, Regina Célia Tamaso. Família e saúde mental: contribuições para reflexão sobre processos familiares. Katálysis. 02/98
  2. Veras, Renato Peixoto e Oliveira, MarthaEnvelhecer no Brasil: a construção de um modelo de cuidado. Ciência & Saúde Coletiva [online]. 2018, v. 23, n. 6 [Acessado 9 Fevereiro 2021] , pp. 1929-1936. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/1413-81232018236.04722018>. ISSN 1678-4561. https://doi.org/10.1590/1413-81232018236.04722018.
  3. CECCON, Roger Flores et al . Envelhecimento e dependência no Brasil: características sociodemográficas e assistenciais de idosos e cuidadores. Ciênc. saúde coletiva,  Rio de Janeiro ,  v. 26, n. 1, p. 17-26,  jan.  2021 .
  4. ANGELO, Margareth. Abrir-se para a família: superando desafios. Fam. Saúde Desenv. Curitiba, v.1, n.1/2, p.7-14, jan/dez. 1999.

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