Vivemos em um país em que não há uma política de cuidados continuados. E em um país idadista, ou seja, onde há um grande preconceito contra a pessoa idosa. Em um contexto como este, os profissionais de saúde são convidados a “remar contra a maré”, a fazer diferente a favor do cuidado. E por que remar contra a maré? Vamos conversar sobre os desafios do autocuidado compartilhado no processo de envelhecimento.
“Remar contra a maré” porque é preciso acreditar que vale a pena envelhecer e construir com as pessoas idosas a favor da vida, a favor do cuidado. Remar contra a maré frente à inexistência de processos de formação continuada para os profissionais relacionados à longevidade e ao envelhecimento que, em geral, não estudaram sobre o tema nos cursos de graduação. Remar contra a maré por não termos ainda uma boa parte das nossas cidades amigas da pessoa idosa.
Remar contra a maré porque as iniquidades sociais em saúde atravessam o cotidiano do cuidado e sendo injustas, comprometem as pessoas idosas de cuidarem integralmente de si. Remar ainda porque não temos uma cultura do cuidado em toda a vida.
Mas é preciso remar, é deste movimento que se faz também a nossa vida… E aqui vamos remar juntos na discussão sobre o cuidado compartilhado e o cuidado centrado na pessoa idosa. O envelhecimento, como nos diz o mestre Alexandre Kalache é “uma maratona com uma linha de chegada indeterminada que é executada em um cenário em constante mudança, onde há uma interação perpétua entre risco e oportunidade.” E para experenciar a maratona é preciso ter cuidado, muito cuidado.
O desafio do cuidado em um país idadista é ainda maior. E nesse sentido, além da garantia de direitos da pessoa idosa, precisamos agir a favor da garantia da dignidade da pessoa idosa. Refletir sobre nossas atitudes perante o envelhecimento, agir de modo diferente do que temos revelado no retrato da violência, da indiferença, do descuido. E mais, que isso, precisamos investir na solidariedade intergeracional porque estamos plantando, inclusive, as condições do nosso próprio envelhecimento.
Você já parou para pensar em quem vai prover as suas necessidades e vontades quando envelhecer? Em que vai, por exemplo, empurrar a sua cadeira de rodas, se for preciso? Por isso o convite é de que, mais que ações assistenciais, possamos ter empatia, possamos também lutar pelos direitos e pela dignidade, inclusive construindo o nosso próprio futuro, combatendo os estereótipos, os memes tão presentes no contexto da pandemia, por exemplo, que escancaram o preconceito e as práticas discriminatórias contra a pessoa idosa.
Então o convite é para uma prática diferenciada, para a construção de uma cultura de cuidados que para além das necessidades, preservem os direitos da pessoa idosa. Temos algumas pistas para a construção da cultura de cuidados no contexto brasileiro que deve iniciar com cada um de nós. O primeiro passo é nos mobilizarmos na garantia dos direitos da pessoa idosa, na efetivação dos marcos legais já construídos, mas não implementados e, principalmente para a construção de uma política nacional de cuidados continuados. Concomitante a este, sermos cotidianamente não-idadistas mas, também, anti-idadistas! Agirmos a favor da mudança na representação e no reconhecimento do envelhecimento sob outras perspectivas.
Primordial ainda investirmos na aquisição de competências profissionais para o cuidado à pessoa idosa articulando com a solidariedade intergeracional porque aqui está a construção da cultura de cuidados: envolvendo toda a sociedade civil. Ainda nesta construção, as ações do cotidiano e de vigília do cuidado com implementação coordenada, centrada na pessoa idosa e no valor atribuído ao cuidado, colaborando nos percursos assistenciais envolvendo a rede sociofamiliar, equipamentos sociais e de saúde de modo integrado. É preciso o engajamento de todos os profissionais na construção da cultura de cuidados centrado na pessoa idosa e não mais centrada no seu núcleo de conhecimentos ou procedimentos a serem realizados.
Para isso é preciso ter conhecimento, empatia, dignidade e respeito. É preciso reconhecer em que a pessoa idosa atribui o valor do cuidado e do seu autocuidado. Sim, uma prática de cuidado baseada no valor atribuído pela pessoa idosa, na sua autopercepção de saúde por exemplo, para que seja centrado na pessoa idosa e, inclusive, negociada com ela. É assim que se dá o autocuidado apoiado ou compartilhado. Na cooperação entre a pessoa idosa, profissionais, rede sociofamiliar e demais sujeitos que contribuem na construção cotidiana da vida para que sempre possa valer a pena envelhecer, mesmo com todas as adversidades.
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